Paulínea Regina Andrade é uma mulher de 46 anos, estatura mediana, magra, de poucos cabelos lisos, muito lisos e grisalhos, cortados na metade do pescoço. Costuma vestir-se com calça jeans e camiseta. Era impressionantemente inteligente. Arquiteta, havia trabalhado com outros arquitetos e artistas de renome. Participou de grandes projetos nacionais.
Na sua adolescência e juventude se destacava pela ousadia, pela criatividade, brilhantismo e audácia. Foi uma jovem livre e à frente de seu tempo. De pensamento rápido, constrangia algumas pessoas que se acercavam a ela. Paulínea Regina era fora da curva. Com o passar dos anos foi ficando cada vez mais…
Muitas vezes foi incompreendida, de tão inteligente! Muito viva, seus olhos brilhavam. Era como uma antena multisensorial onipresente que captava tudo no corpo. Dava respostas rápidas e precisas sobre a intimidade das pessoas, sem ninguém dizer nada. Muitas pessoas se apaixonaram por ela, mas sua personalidade poliédrica não se encaixava na rotina certinha das relações amorosas.
No estúdio, todos escutavam atentos a suas observações. As idéias eram alucinantes! Arranha-céus de madeira, um domo que cobria um bairro inteiro, fazendas verticais gigantes. Ideais para um conto do Realismo Fantástico, mas inoperáveis no mundo concreto. Os engenheiros não sabiam como construí-las. A cada dia que passava, todos a observavam e se entreolhavam curiosos e perplexos.
Aline, sua irmã, lembra-se de escutá-la comentando sobre os cabelos negros de uma amiga. Um dia Paulínea disse a essa amiga que ela lembrava o Bob Marley. Todos riram… Não se parecia em nada! Mas Bob Marley se fez presente no rosto, cabelo e na fisionomia da amiga. Outro dia, na sala de espera do consultório de seu médico, o Dr. convidou-a a entrar, mas ela ficou plantada na porta. Não queria entrar de jeito nenhum! Rapidamente contou uma piada. Todos riram, mas não houve consulta.
Paulínea Regina teve, por todos esses anos, controle sobre os fatos, sobre os argumentos. Ninguém duvidava dela. Assim seguiu na vida… Espirituosa, fazia os outros rirem para conseguir o que fosse. Esse foi o seu lugar seguro, foi o que a manteve vivaz! Entretanto, às vezes, quando chegava em casa, queria estar só. Sozinha, ocupava-se com seus pensamentos. Sua mente não parava: um mundo fértil, absurdo e sem limites.
Aos poucos, seu brilhantismo foi ficando fosco, suas ideias perderam o sentido, seus projetos, impraticáveis. Suas certezas desfaziam-se. As formas coesas de seus projetos transformavam-se em areia e o tempo se desintegrava. Um dia, com o pensamento a mil, teve várias lembranças, nem todas boas. Imagens de sua vida passavam pela cabeça mas não emocionavam. Pertubardor!
Repentinamente Paulínea Regina parou pela primeira vez. Saiu ao jardim. Do jardim de sua casa, a única beleza do dia era a neblina. Caminhou descalça pela terra. Estava absolutamente sozinha. Perfeito! Deitou-se no gramado e olhou o céu por entre os galhos altos das árvores. Estava em paz. Aos poucos sentiu o seu corpo leve desfazendo-se para se misturar aos galhos finos caídos no chão. Deixou de existir.
Foto: tirada por mim de uma Jacarandá na Cidade do México, 2020.
“But we’re never gonna survive unless we get a little crazy”
Texto realizado como exercício do curso de escrita criativa na Verbal Assessoria Linguística em maio de 2020.
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