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Mostrando postagens de abril, 2018

O não dito - Conceição Couto

                                                                                                                    Vera trouxe um objeto estranho. Fico eu pensando o que é um objeto estranho em tempos de telepatia internética e de modificação genética. Ao retumbar dos tambores, a chuva metálica cai da loja oficial de perfumes da cidade. Chuva que brinca com as gotas do silêncio e se arrasta na areia desnuda do mar em que não piso. As gotas fazem pausa para serem tocadas. Ao toque, no entanto, o metal, o desavisado fere. Poucas gotas caem agora e se arrastam no silêncio do chão frio. Poucas gotas caem agora e se desfazem no amassar do papel da loja oficial de perfumes da cidade. As gotas, recolhidas, sabem uma história que não querem contar. Silenciosas, agora, elas descansam no segredo de uma sacola.                                                                                 Verbal, 23 de abril de 2018.

Marielle - Lorena Santos

Luta pelos outros É chamada de cachorra É negra Exige direitos Como tem a pachorra? Todo dia um 7 a 1 Vive sempre na gangorra Sem ninguém que lhe socorra E a linha é sempre fina entre o justo e a masmorra E se eu soubesse, tinha gritado: - Marielle, corra! Se eu pudesse, tinha implorado: - Marielle, não morra! créditos da foto:   Márcia Foletto/Agência O Globo https://innerbabel.blogspot.com.br/2018/03/marielle.html?m=1

Sobre dança e vida - Vera Barrozo

A bailarina que morava ali se foi.  Não disse pra onde.  Cansou.  Não queria mais passos estudados, treinados, tensos, ou não.  Não queria mais aquela dança.  Mesmo que sua roupa fosse tão linda, angelical, branquíssima como a neve. Chega de tanta delicadeza!  Chegou, pra ela.  Saiu pra conhecer os outros tipos de dança que dançavam dentro de si.  E se esbaldou.  Porque eram tantas as músicas, os movimentos, as roupas possíveis!  Eram tantos os ritmos! Até pensou: - Nossa, por que fiquei tanto tempo lá?  Mas é preciso.  É preciso ficar o tempo que não sabemos qual é,  e que descobrimos quando passa, chega, vai... e seguimos, vamos, adiante.  É.  Faz parte do processo de amadurecimento dos frutos mais deliciosos.  O tempo em que não se está em êxtase, com a vida.  Agora estou. E nada mais me prende.  E sigo o movimento que me enleva e leva ao encontro de mim.  Me leva ao conforto do meu próprio coração, me diz que s

A Bailarina - Elaine Fonseca

Olhava para os pés descanços com um olhar vazio e incoerente. A única coisa que sentia era a dor. Calejados, os dedos da bailarina eram esgarçados como as cordas de um piano velho. Nada tinham de belos aqueles pés e ela bem o sabia. Calçou as sapatilhas brancas, amarrou-as com a destreza de alguém que fazia aquilo há séculos. 3….2….1...e pliè, e um, dois e três. Ela levantou-se como uma boneca de corda e o olhar adquiriu uma tonalidade vívida. Entrou na dança saltitando lindamente, como uma garça graciosa. Apesar da dor imensa, ela sorria enquanto rodopiava perfeitamente diante do espelho imenso. Era ali, em meio à dança, que ela se sentia pertencer, viver, respirar. Como uma bailarina dentro de uma caixa de música que só se ergue para girar ao som das notas do cilindro.