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Hoje não é dia do índio - Karenina Bispo


                                    Créditos da foto: Folha de São Paulo


O “Dia do Índio”

Eu me senti instada a falar de mim.

No dia 19 de abril, foi lembrado do dique costumávamos chamar de “Dia do Índio”. No Instagram eu fiz a publicação de um Reels em que alguns indígenas falam da diversidade de seus povos, populações que já estavam aqui e habitavam este país quando houve a invasão portuguesa que dizimou a maior parte dessas populações e apagou sua cultura e existência. “Hoje não é dia do índio” dizia o vídeo. 

Falando de mim, eu devo admitir que já fui essa pessoa que questionou a “legitimidade desses povos” e questionei à época se ainda “existia índio” no Brasil, sendo estes civilizados. Mas que grande preconceito, não é mesmo? Admito também que já fui uma pessoa contra cotas, fossem elas quais fossem.

Mas nossa! Como o tempo passou e me fez bem! Como pude aprender neste tempo! E sim, hoje considero a política de quotas fundamental para promover o acesso de populações antes excluídas dos centros acadêmicos, vagas de emprego, tornando seu acesso e permanência proporcional à sua representação no quantitativo na sociedade.

E em se tratando da questão indígena, é o reconhecimento de sua legitimidade, seu pertencimento, sua ancestralidade em território nacional. E, se a denominação que indica a multiplicidade e diversidade de povos é importante para as sociedades indígenas, isso deve sim ser valorizado. 

Quando fiz a publicação houve questionamentos: “Sempre foi assim! Pra que mudar? Vai fazer alguma diferença? É mimimi!”

Bom, inicialmente, digo que se para alguém faz diferença e eu posso mudar meu vocabulário, por que não? Não cabe a mim falar da dor do outro. Do se sentir invisibilizado e diferenciado. E, se eu posso contribuir, ainda que individual e minimamente, para ajudar a modificar vocabulários, dor e comportamento, o que me impediria de fazê-lo?

E, o que é o mimimi? É a dor que não dói em mim, que dói no outro e que incomoda. 

Para além da questão indígena, ouvimos muito esta palavra quando tratamos das questões de gênero, raciais, LGBTQIAP+, enfim... Todas as vezes que se solicita visibilização de questões antes invisibilizadas, escondidas, e que parte da sociedade não quer encarar, visto que pode “modificar seu modo de vida”, afirmam ser “mimimi”.

É, tristemente, no meu ponto de vista, uma denominação muito masculina, cis, heteronormativa. 

Como eu afirmei no início desta conversa, eu já tive posicionamentos que hoje acredito controversos. E, se eu posso aprender, melhorar, valorizar o outro, por que não?

No meu lugar de mulher preta, eu demando escuta e acredito que todos os indivíduos por tanto tempo silenciados, mortos e subjugados devem ser ouvidos, escutados e valorizados.

Esse é um assunto que move emoções. Minhas emoções. Meus afetos. E devo dizer que estamos num mundo que tem estado carente de afetos. De nos afetarmos com as demandas dos outros. Mimimi? Mimimi é a dor que dói no outro e que não quero que me incomode, que me faça ver o que eu não quero ver, que me faça ter que mudar padrões e crenças. 

O “plot” aqui é que posteriormente a esta primeira parte do texto, o indivíduo que ocupa hoje a cadeira no Planalto, vetou integralmente a lei que muda a denominação “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas”. 

Como eu já havia dito, os povos indígenas solicitam há muito serem reconhecidos em sua diversidade. Não são um corpo monolítico de “índios”. São diversas etnias, e já reduzidas denominações. 

Reconhecê-los como povos é dar visibilidade para esta diversidade.

O veto em nada me espanta, e trouxe luz para algumas das razões. Reconhecer o “Índio” em sua diversidade e pluralidade de populações é reconhecê-los e, por sua vez, valorizá-los. 

Como podemos ver, há uma política de extermínio das populações indígenas, com a ausência de vacinação durante a pandemia de Covid-19, a ânsia de “passar a boiada” e permitir a exploração das terras indígenas, a autorização de garimpo e mineração, a ocupação indiscriminada destes territórios, levando doenças, violência, morte, e forçando essas populações a se deslocarem de seus territórios, deixarem sua cultura, seu modo de vida. Como, neste cenário, esperar que se dê visibilidade? Reconhecimento? A política é de apagamento, extermínio, exclusão. Querem, de fato, que os “índios” sumam!

Daí a razão do “mudar pra quê”? Se mudar não se poderá executar a eliminação destes que agora estão sendo vistos, valorizados...

O que esperar do governo genocida? Genocídio? Sim, veja o que acontece com esses múltiplos povos!

Eu espero aqui que eu possa ter trazido rapidamente alguma fagulha para iniciar uma fogueira de reflexão. Uma transformação.

Quem sabe depois eu possa trazer alguma outra. 

Brasília, 3 de junho de 2022.

Karenina Bispo


Comentários

  1. Que reflexão bacana! Eu, que nasci no 'dia do índio' há 42 anos, já deveria ter pensado sobre o assunto. Obrigado pela 'fagulha' Nina 😉

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  2. Parabéns Karenina, pelo belo texto e pela coragem de reconhecer que és um ser humano, na essência da palavra, com qualidades e imperfeições, mas, sobretudo, disposta a refletir e avançar. Bom demais... (Daniella Martins)

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