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Mostrando postagens de julho, 2019

Espelho - Paula Barbosa

Custou-me uma eternidade na terapia para perceber que sou igual à minha mãe. Do cabelo cacheado ao tique de abrir as narinas quando minto, sou toda ela. Sou constante, volátil, frágil, fortaleza. Sou o espelho da alma de dona Lúcia. Mas é na dificuldade de amar que mais me sinto ela. Dona de um coração aberto ao afeto, minha mãe sempre se dispôs a doar, corpo e alma, sem esperar contrapartida. Não esperava amor em retribuição. Tampouco desilusões e rasteiras. Isso, jamais esperava, apesar de ser o troco que ganhava de meu pai, seu Ernesto. Vivi minha infância a decifrar a falta de abraços que permeava meus genitores, enquanto, na casa de amigos, o amor se consolidava como característica comum dos senis.   Construí meus amores, desde o mais pueril, na mesma fôrma do desgosto.  Amargo a minha incapacidade de entrega e gasto rios de dinheiro no resgate de quem poderia ter sido.

Pedreiro - Elaine Fonseca

Antes de raiar o dia Mariano já se ia em um ônibus, de pé. No chão, entre as pernas, uma valise surrada com algumas ferramentas mais leves. Encostado ao corrimão, ele ia meio que cochilando, sacolejando junto com a lotação, esbarrando em tantos corpos que se amontoavam para chegar ao destino. Era uma hora naquele trajeto, depois mais um trem e duas baldeações de metrô. Saía às 4 horas da manhã de casa para conseguir chegar às 7h no trabalho.  Atrasado outra vez, Mariano? Desse jeito vou ter que descontar. - falou gestor da obra.  Desculpe, dotô, o senhor não viu na TV? O trem quebrou outra vez. Deixou todo mundo na mão.  Mariano trocou de roupa às pressas, engoliu um pão amassado com queijo que trazia na  bolsa, mandou pra dentro um café já meio frio e foi-se para as alturas. Lá, no alto, ele se sentia em paz. Ver a cidade de longe, as pessoas tão minúsculas era, de fato, seu ponto alto do dia. Ao contrário de muitos, ele não tinha medo de altura.  No fim do di