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Brasília - 1993 - Cecília Aprigliano


Brasília foi uma grande surpresa em minha vida. Outros rostos, outra paisagem.  A minha vinda para Brasília teve um gosto de festa. Estava com medo, mas a novidade de tudo me fazia ficar tão atordoadamente feliz. 
Brasília era um mundo de horizontes em todos os sentidos. No geográfico, no emocional e no profissional. A geografia era obviamente tão distinta de tudo que eu estava acostumada, mas era maravilhoso. O sol brilhava muito forte, a luz entrava nos olhos e no nosso corpo de uma forma quase revigorante. Recordo-me do dia que cheguei: ao sair do aeroporto a luz do sol invadiu meu corpo, através dos olhos, que não esperavam uma luminosidade tão intensa.  
Fui tão bem recebida pela Brasília de amplos horizontes e por amigos queridos. Ia caminhando pelas superquadras com a certeza de que podia viver ali. 
A minha profissão ia crescer aqui, mas eu ainda não sabia. Logo na chegada procurei colegas de profissão para entender as minhas possibilidades no planalto. Uma certa angústia se apossava de mim neste terreno. Tentei respirar e manter a calma e tranquilidade que a mudança exigiria de mim. Fui acolhida.
Mais quatro meses se passaram e já tínhamos nosso canto nesta cidade de muito sol, muita amplidão e a vontade do novo. Andava por Brasília com a certeza de que de certa forma já conhecia um pouco de tudo. Uma cidade que tem coisas bem definidas como a época da seca que mostra tantos Ipês coloridos, uma arvore quase símbolo desta cidade que me adotou.
A adaptação do ser humano faz certamente parte de um desejo. 
Adapto-me, pois desejo tanto estar ali.
Tenho o Levi e a Olivia. Ainda são tão pequenos. Olivia com seis meses e Levi com cinco anos. No início, nós três caminhávamos duas ou três Superquadras de Brasília para irmos à escola do Levi ou ao supermercado e a noite íamos os quatro comprar cachorro quente na entrada da nossa quadra: a SQS 306. O cachorro quente era um evento que sempre tinha gosto de festa. 
Nossas andanças eram cercadas de luz e flores, mas tantas vezes não percebia o movimento a minha volta, só via nós três. A Olivia ia como um filhote de Canguru em seu “porta bebê, que se encaixava em meus ombros e que me permitia vê-la ora dormindo, ora olhando tão atenta as pessoas que passavam a sua volta. Levi me dava a mão e ia como uma grande companhia, um guardião de todo esse movimento. Guardávamo-nos! Ele a mim e eu a ele. Olivia observava atenta a esses cuidados pois ela já sabia que em breve tanta observação seria útil para ela também. Nós três nos guardávamos.
Brasília, junto com seu céu abria-se para nós, recém-chegados. 
O horizonte é muito amplo em Brasília. Aqui aprendi o real significado do amplo!

Créditos da Imagem: Lorena Santos

Comentários

  1. Me identifiquei muito no seu texto, esse deslumbramento com as coisas daqui...A adaptação não é fácil, mas a sensação de amplitude e esses espaços enormes de Brasília sempre conquistam a gente!

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