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Majestic Café



O lugar era belíssimo. Cheio de imponência. Construído em uma época na qual a ostentação do luxo e da riqueza se traduziam em rebuscadas decorações, brilhos dourados, mármores sofisticados, espelhos grandiosos, madeiras envernizadas. O prédio datava de 1921. O café e seus acompanhamentos seguiam a mesma aura de glamour da Belle Époque. Tudo muito bem servido, tudo delicioso. 
José pediu um chocolate quente. Estava tão absorto em seus pensamentos que nem sabia o que o amigo e as respectivas esposas conversavam. Queria estar bem distante dali. Um novo ciclo de palestras se iniciaria na próxima primavera e ele não via a hora de sentir novamente aquela liberdade de ser quem quer ser, de estar só e de ter todo o seu tempo para fazer o que gosta. 
Desde que se tornou uma celebridade do mundo das finanças, as viagens para palestras tornaram-se habituais em sua rotina. Já havia ido para vários países da Europa e Ásia, sem falar, é claro, nos Estados Unidos. Adorava viver esse novo momento de sua vida. Muito menos pelos aplausos e elogios exagerados, mas muito mais pelas oportunidades de estar em diferentes lugares e, principalmente, pela solidão. Havia anos que já se cansara dos espaços barulhentos de sua casa; dos horários obrigatórios de fazer o desjejum, de almoçar e jantar; dos mais aborrecidos deveres dos cuidados da casa – idas ao supermercado, pagar contas em dia, resolver a goteira do telhado, trocar as lâmpadas queimadas. Sentia-se muito bem ao se esquivar disso tudo. Sentia uma alegria ao estar nos espaços assépticos dos hotéis e ser atendido com o prato que desejava com apenas um pedido em um restaurante.
- José! José! Seu chocolate quente já esfriou! Você não vai tomar? – disse sua esposa, encostando em seu braço e arrancando-o de seu mundo imaginário.

Crédito da foto: Rodolfo Nunes ( @rodo.nunes )



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