Era uma menina de 11 anos. Tinha os
traços indígenas como todas as meninas da região. A pele morena, olhos
levemente puxados, cabelo bem preto e liso, os seios eram pequenos botões
desabrochando e em seu ventre crescia um bebê. Ela soube de sua condição quando
a barriga começou a crescer. A mãe pensou que fosse verme e a levou ao médico.
O médico disse que ela estava grávida. Em sua inocência teve um primeiro
pensamento de que agora teria a boneca que toma mamadeira e faz xixi que tanto
desejara. A mãe se desesperou. Não sabia como isso tinha acontecido. A menina
também não.
Pensou que
pudesse ter sido naquele dia que foi com o amigo do pai passear pela orla do
Rio Branco. Ele tinha prometido que daria um pico lê de cajá pra ela. No meio do
passeio ele falou que queria mostrar uma coisa pra ela e, sua curiosidade, a
fez entrar no matagal. Depois não lembra direito o que aconteceu. Ele fez uns
carinhos, disse que ela era muito bonita e, em certo momento sentiu uma dor.
Ele a tranquilizou. Falou que a dor ia passar e, que se ela não contasse pra
ninguém, poderiam fazer outro passeio daqueles e ele lhe daria uma boneca. Ela
pensou: “será que seria a boneca que viu na propaganda?”. Não contou nada pra
mãe. E ele nunca mais voltou.
Agora, no meio do desespero da mãe, ficou em dúvida se deveria contar. O pai poderia ficar bravo com o amigo dele. A mãe poderia colocá-la de castigo. Ao chegar em casa após a ida ao médico, a mãe a sacudiu, a surrou, a xingou. A menina se encolheu e chorou. Não queria que nada disso estivesse acontecendo. A mãe se preocupava em como contaria para o pai. Ele estava trabalhando no garimpo pra sustentar a família. Só voltaria pra casa dali a 6 meses.
Nos dias
seguintes, a menina começou a sentir algo que não conseguia nomear. Era
assaltada por um arrepio gelado pelo corpo, uma falta de ar, fortes enjoos,
parecia que estava morrendo. De certa forma a menina realmente estava morrendo.
Não entendia o que estava acontecendo com seu corpo, com sua vida. “O que haveria ao final daquele túnel?” Agora não podia mais brincar com as amigas. As mães das outras meninas disseram que ela não era boa pessoa, que era uma má influência. Todos a culpavam por sua condição. Mas de que exatamente ela tinha culpa? Culpa por desejar um picolé de cajá? Culpa por confiar no amigo do pai? Culpa por ignorar as crueldades do mundo? Culpa por não ser protegida pelos seus cuidadores? Ela já não tinha mais nenhuma disposição para ir à escola. Vomitava todos os dias. Às vezes tinha vontade de vomitar aquela criança que crescia dentro dela pra poder retomar sua vida de menina, de brincadeiras, de inocência.
Não entendia o que estava acontecendo com seu corpo, com sua vida. “O que haveria ao final daquele túnel?” Agora não podia mais brincar com as amigas. As mães das outras meninas disseram que ela não era boa pessoa, que era uma má influência. Todos a culpavam por sua condição. Mas de que exatamente ela tinha culpa? Culpa por desejar um picolé de cajá? Culpa por confiar no amigo do pai? Culpa por ignorar as crueldades do mundo? Culpa por não ser protegida pelos seus cuidadores? Ela já não tinha mais nenhuma disposição para ir à escola. Vomitava todos os dias. Às vezes tinha vontade de vomitar aquela criança que crescia dentro dela pra poder retomar sua vida de menina, de brincadeiras, de inocência.
Texto em
homenagem a uma pequena menina roraimense. Inspirado pelo movimento
#elvioladorerestu , #oestupradorevoce , #lastesis
Crédito de imagem: Colagem feita por Michela Ribeiro no Grupo de Escrita Escrever às Sextas da VERBAL
Tão real que dói na gente. Bravo!
ResponderExcluirEste texto é tão forte que fica arraigado na gente desde a primeira vez que se lê! Funciona como uma denúncia do que existia no passado e ainda nos assombra nos dias de hoje.
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