João fingia que não se importava, mas era apenas uma fachada que assumia para nela se refugiar caso o desenrolar dos fatos não conduzisse ao desfecho pelo qual tanto asiava. Paulatinamente, a certeza começou a se cristalizar e uma discreta euforia passou a se insinuar à medida que os números iam chegando no noticiário da TV e nos tuítes que surgiam cada vez que ele atualizava a tela do celular compulsivamente, ao ponto de deixá-la engordurada e pegajosa. A longa noite parecia estar chegando ao fim. Amanhecia, varrendo as sombras que haviam escapado de um passado que de tempos em tempos se faz presente pela falta de coragem (ou de disposição, ou de ambos) que se tem de enfrentá-lo e sepultá-lo definitivamente.
Esporadicamente mas com uma frequência cada vez maior, gritos entravam pela janela. Há 4 anos esses gritos magoavam, hoje reconfortavam. Quando a certeza se instalou de vez, João não se conteve: pegou a carteira, as chaves e saiu às ruas em busca de algum lugar para comemorar. Sondava as pessoas com quem cruzava mentalmente, tentando identificar seu estado de ânimo. Era uma habilidade que desenvolvera desde que a polarização que se estabeleceu e nos dividiu em eles e nós. Ela não desaparecia na verdade. Apenas deixava de ser eles e nós para se tornar nós e eles. O equilíbrio permanecia frágil assim como permanecia a sensação de que de uma hora para a outra a situação poderia descambar para um confronto aberto e brutal. Só não era a hora de pensar nisso.
Chegou à praça, afinal. Contou os gatos pingados. Meia dúzia. Será que vai encher? Os camelôs já estavam em grande número o que era um bom agouro. Não se deve desprezar o instinto de sobrevivência que eles têm. Se eles estão lá, vai bombar. Se aproximou de um deles e perguntou pelo preço da cerveja:
– Skol e Antártica. Normal é 6, latão é 8.
Não era hora de ficar de frescura e dar uma de sommelier. Hoje, o que importava era a quantidade, não a qualidade.
– Me dá um latão de qualquer uma.
Os carros começaram a passar buzinando. Alguns tinham bandeiras agitadas pelas janelas. João olhou em volta e contou, mentalmente, novamente, as pessoas que não paravam de chegar, quase todas uniformizadas. Algumas bebiam. Algumas se juntavam aos coros que surgiam espontaneamente. Algumas choravam. Todas sorriam. A catarse ganhava forma gradualmente e, ao menos naquela noite, era permitido pensar que estava tudo resolvido.
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