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Ela, noiva - Conceição Couto





Se me pedissem para escolher entre ontem e amanhã eu, com certeza, optaria pela incerteza do amanhã, pelo desconhecimento, pela possibilidade, pelo fazer diferente. Daria-me um buquê de noiva e adentraria a nave de uma capela vazia de pessoas e cheia de sentido e me casaria, sem noivo, noiva ou testemunhas comigo mesma. Colocaria no cálice, em lugar das hóstias, todas as dores para que se refizessem e me integrassem sem danos. Transmutadas em memórias, elas, as dores, seriam apenas o que já vivi sem o peso de ser como sou. Diria para mim mesma, “ Eu aceito me casar comigo e comigo estar por todos os dias da minha vida, mais na saúde do que na doença, mais na alegria que na tristeza, amando-me e respeitando-me por todos dias da minha vida”. Sairia da capela com a certeza de estar construindo uma vida nova onde a gentileza comigo imperaria. Sem máscaras ou fantasias, sem a expectativa do outro ser responsável pela minha inteireza. Eu e eu mesma sairíamos, assim, de mãos dadas para a velha e nova vida.

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