Quando ele chegou ali, era tudo mato. Não tinha cercado e nem arado. A terra parecia árida, mas o coronel estava cansado de rodar o mundo atrás de um pedaço de chão. Foi assim, fugindo de uma chacina que lhe deixaria emudecido por quase uma década, que Constâncio Oliveira do Rosário chegou à Charque Seco. Naquela época nem podia ser chamado de vilarejo. Tinha apenas uns dez casebres que margeavam a ferrovia. Chegou em época de seca brava, aos 17 anos, esquálido como um boi faminto. Os pés cansados calçavam uma percatinha já muito gasta e nas costas trazia um saco de pano, com tudo o que tinha na vida: três mudas de roupa e o retrato da mãe cuja última lembrança era o olhar apavorado e um grito apavorante - Corre, Cicinho!
O coronel constâncio contava essas lembranças sempre que podia e um dia a neta perguntou-lhe:
- Meu avô, porque o senhor conta essa história tantas vezes?
- Porque considero, Melissa, que foi nesse dia que eu nasci. Imagine, se eu contar essa história todos os dias, é quase como nascer todos os dias.
- Mas qual é a graça nisso, vô?
- Ora, minha filha, é uma segunda chance pra gente tentar fazer direito o que fez errado. Né, não?
A menina riu-se segurando as tranças delicadas e saiu esvoaçando o vestidinho florido. Constâncio seguiu com o olhar manso, percebendo o quanto a neta lhe lembrava a filha.
- Ô, Quiterinha, que saudades de você, minha filha. - murmurou antes de dar um pito no cachimbo. - Quando você era viva eu achava que seu coração era manteiga derretida demais. E agora? Agora eu vejo que você puxou a mim. De que adianta, minha preta, guardar tanto rancor do mundo se o que sobra e o que nos espera é só amor? - Pensou o coronel com os olhos marejados em meio àquele entardecer sonolento e mudo.
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