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O velório  do velho Inácio - Elaine Fonseca







O defunto estava bem no meio da sala, ao lado da vela de sete palmos. Depois do cortejo fúnebre, a procissão seguiu para a casa do falecido, o velho inácio. Algumas matronas choravam em silêncio enquanto umas poucas crianças brincavam do lado de fora. 

Quando seu Quindim chegou, de braços dados com dona Nenê, foi inevitável que todos dessem um suspiro. Costumavam ser melhores amigos, mas havia muitos anos uma aperreação por conta de um bode matou o convívio. Seu Quindim nunca se conformara com a ruptura abruta, mas era orgulhoso, assim como velho Inácio. Amigos de guerra e paz, de gostos e desgostos, agora estavam frente a frente. 

Seu quindim tocou as mãos do amigo, sentindo a temperatura da morte, e uma lágrima escorreu, depois mais outra, seguida de muitas outras. Um pranto copioso emudeceu a todos e quando ergueu os olhos marejados, seu Quindim apenas disse:
- Diga à Quiterinha que por aqui está tudo em paz. -
Dona Nenê pegou-o carinhosamente pelo braço e, antes de saírem, seu Quindim olhou para trás, e, com um olhar de surpresa disse:

- Nenê, quem é esse que morreu? Coitado, os amigos vão sentir falta, com certeza.

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