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Rosas, cravos, margaridas - Eriane Gonçalves



Rosas, cravos, margaridas, flores do campo, há quanto tempo não sentia paz? Deitada aqui me parece que o tempo está suspenso, a imobilidade física contaminando minha mente, ponto, tudo em ponto morto, de olhos cerrados vejo minhas mãos entrelaçadas, unhas vermelhas em dedos longilíneos, por que escolhi pintá-las de vermelho-vivo? O vivo, quero mais vida, menos sofrimento, menos do que tenho, a cor assentou como se fizesse parte de mim, cor-sangue, sangue-vivo. 

Meus cabelos ganharam vida, reflexos dourados, solar, mudança, ah! mudança tão bem-vinda e a razão de todo o desejo de agora, há oito anos nada disso era possibilidade, há oito anos, minha vida mudou, eu mudei, eu gerei, agora, essa paz estranha e benfazeja. Nada de gritos de crianças, de marido, de mãe, nada, nada, nenhum olhar paterno de decepção, paz, paz solarmente vermelha, nem este cheiro enjoativo me atrapalha e eu sempre tão sensível a odores florais, nada, nada, nada me atordoa, um dia o silêncio me aterrorizou, era abandono, este me emancipa, absoluto do lado de fora, fragmentado na minha mente preguiçosa, tranquila. 

O que é feito de mim não mais me entristece, não me angustia, assim a vida foi, algumas escolhas, muitos acasos, acasos geradores de filhos-filhos-filhos-filhos, sem descanso, sem este sossego interminável, por onde andam neste silêncio? Paz, infinita, não importa por onde andarão, sinto-os aqui, imóveis retornando a meu útero oco, choro, não sinto as lágrimas, o retorno para o princípio me comove, paz, neste silêncio ouviria meu coração se fosse possível ouvi-lo, parado no nada, ocaso. 

Uma sombra cai sobre mim, a sombra é escuridão, escuridão perfeita, como perfeito é o balanço destas ondas, estão me levando e eu vou, eu estou indo, eu?  Soçobro novamente na paz, apenas o baque de algo caindo sobre mim, sobre mim? Não, sobre este esquife que me protege do mundo, estreito, perfeito, o som da terra caindo, eu vou e sei porque esta é a única verdade que não pode ser encoberta, não me apavoro, já não sou eu, não posso ser eu, não posso saber, como saber da morte estando nela? Então é alguém, alguém pensa por mim, sente e fala e testemunha por mim, não sou eu, mas o que importa se a paz perdura?

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