Frescor. Era assim o cheiro dela - pelo menos, do que eu lembro, ou o que a fantasia me ajudou a construir. Era com esse cheiro que ela me beijava a testa todas as manhãs, vestida no costumeiro saia e blusa para ir ao trabalho.
Eu ia com um beijo na testa para a escola e lá ficávamos: eu e o beijo. Só a encontrava novamente à noite, já cansada do trabalho.
Lembro-me do seu abraço quando a professora - sem eu saber - disse que eu tinha ficado em quarto lugar no ano letivo. Ela me abraçou quando eu queria o primeiro lugar.
Quando me chamaram de “Bolinha”, ela foi à escola falar com os meus colegas, e eu nem tinha me importado com o apelido .
Blusa de linho com o nome da escola bordado. Saia plissada azul-marinho. Sapatos de couro e meias brancas. Era assim também que ela demonstrava o seu capricho.
Na primeira comunhão, tive medo da vela, pois podia, em contato com o véu, pegar fogo, disseram-me as freiras. Ela ficou no final da igreja, longe de todos, a me observar. Só muito tempo depois entendi porque ela não comungou. Filha de Capuchinho que sou, como poderia ela receber o corpo de Cristo?
No meu oitavo aniversário, ela fez uma festa para a época. Bolo de nozes decorado, cascata de balas de coco, guaraná , roupa para antes e depois dos parabéns. Fotos e álbum. O último aniversário dela comigo.
Vieram as internações. “Sua mãe foi para o hospital”. E lá voltava ela, abatida. E ia outra vez.
Uma cicatriz a marcou do pescoço ao umbigo. Um dia ela me perguntou, “Quem precisa mais: você de mim ou eu de você?” “Você de mim”, disse eu sem nada saber.
Quando estava no hospital, passava as tardes na casa de uma vizinha querida e levava o meu sobrinho de alguns meses. Brincávamos de boneco com o sobrinho - eu e a filha da vizinha.
Um dia minha irmã chegou à casa da vizinha com todos os pertences da minha mãe.
Eu entendi. Chorei e passei a noite por lá.
No outro dia, fomos para o que seria a despedida. Alguém me levou para lhe dar um beijo na testa. Alguém disse para jogar cal em seu caixão. Foi o que fiz. Joguei também pétalas de rosas.
Voltamos para casa, e o meu grande medo foi dormir sozinha. De dia, minha irmã me deixava só, e eu via a minha mãe por todos os cantos da casa. O cheiro de lavanda impregnado nos cômodos. As saias e blusas penduradas no armário . Minha testa sem o beijo. Perambulava pelos cômodos do apartamento vazio .
Brasília, 3 de novembro de 2017.
<3 <3 <3
ResponderExcluirQue texto. Emocionante na sutileza, delicado como o amor de mãe que sua leitura nos faz sentir no coração com toque de humanidade, de finitude, que torna tudo tão precioso na vida. Obrigada por escrever, querida amiga.
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